Comunicação pública musical e a MP 907 de 27.11.2019

Em 27 de novembro de 2019, foi publicada no Diário Oficial da União a Medida Provisória nº 907 (MP) [1], conhecida popularmente como a “A Hora do Turismo” por buscar o crescimento do turismo nacional mediante diversas reformas, como a concessão de benefícios fiscais, a instituição da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo e a alteração do artigo 68 da Lei nº 9.610/98 que regula a comunicação pública de direitos autorais (LDA) [2].

Inicialmente, destaca-se que o artigo 68 da Lei de Direitos Autorais trata da comunicação ao público de obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas cuja representação e execução pública em locais de frequência coletiva dependerá de prévia e expressa autorização do respectivo titular.

Assim, referido preceito se funda na vertente patrimonial dos direitos de autor por meio da qual seu titular detém a prerrogativa de autorizar ou proibir a explotação de suas obras conforme o artigo 29 da LDA (notadamente quanto ao seu inciso VIII).

Nesse ponto, vale mencionar que a gestão dos direitos de autor pode ocorrer mediante gestão individual ou gestão coletiva. Assim, a fiscalização do uso das obras, o seu respectivo pagamento e o controle sobre o alcance de tais obras podem ser exercidos individual ou coletivamente, na medida em que a LDA não exige a filiação a uma sociedade de gestão coletiva.

Não obstante, a gestão optada na prática acaba sendo a coletiva que centraliza a arrecadação, a distribuição, a cobrança e a defesa dos direitos de execução pública em uma associação que detém poderes outorgados pelo titular da obra protegida.

Assim prevê Eliane Y. Abrão [3]:

O ato jurídico que faculta às sociedades tanto na defesa dos direitos quanto na arrecadação da verba devida pelo uso da obra protegida é o ato de filiação, por meio do qual as sociedades tornam-se mandatárias, agindo em nome e por conta do autor ou artista outorgante. A partir daí, a sociedade se encontra legitimada a atuar judicial ou extrajudicialmente em nome do autor seu filiado, agindo como substituto processual, sub-rogando-se nos direitos dele.

O mandato só confere poderes de administração, e segue as regras de validade previstas nos art. 653 a 691 do Código civil. As associações poderão eventualmente praticar atos sem mandato, mas estes só serão considerados eficazes se posteriormente ratificados pelo outorgante do mandato.

Com relação à execução pública musical, objeto deste artigo, a arrecadação e a distribuição dos direitos autorais correspondentes são realizadas pelo ECAD – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, nos termos da LDA e do seu estatuto [4].

O ECAD é uma associação civil de natureza privada, sem fins lucrativos, administrada por 7 associações (Abramus, Amar, Assim, Sbacem, Sicam, Socinpro e UBC) de titulares de direitos de autor e de direitos conexos atinentes à execução pública de obras musicais, líteromusicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais, centralizando a respectiva arrecadação e distribuição dos direitos a nível nacional.

Dessa forma, seu funcionamento na prática ocorre da seguinte forma: os titulares de direitos autorais podem se filiar a alguma das 7 associações, conforme seus estatutos e natureza do direito autoral tutelado, outorgando-lhe poderes de gestão e representação dos aludidos direitos. Referida associação, por sua vez, é associada do ECAD e o constitui como mandatário dos titulares na defesa e cobrança dos direitos autorais correspondentes. Ou seja, sob o viés jurídico, o ECAD assume a posição de mandatário legal das associações e, por consequência, dos titulares de direitos autorais a elas filiados, podendo atuar extra e judicialmente em nome próprio como substituto processual na defesa e cobrança de tais direitos.

Uma vez analisada a comunicação pública musical no Brasil, passemos para as reformas introduzidas pela MP 907/2019 à luz dos direitos autorais.

Dentre tais reformas, tem-se a alteração do parágrafo 3º do artigo 68 da LDA e a inclusão do respectivo parágrafo 9º, que excluem os meios de transporte de passageiros marítimos do conceito de frequência coletiva e preveem expressamente que não haverá arrecadação e distribuição de direitos autorais atinentes à execução pública de obras literárias, artísticas ou científicas no interior das unidades habitacionais dos meios de hospedagem e de cabines de meios de transporte de passageiros marítimo e fluvial:

Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.

(…)

3º Consideram-se locais de frequência coletiva onde se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas, como teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, motéis, clínicas, hospitais, órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional, empresas estatais, meios de transporte de passageiro terrestre e aéreo, espaços públicos e comuns de meios de hospedagens e de meios de transporte de passageiros marítimo e fluvial. (Redação dada pela Medida Provisória nº 907, de 2019)

(…)

9º Não incidirá a arrecadação e a distribuição de direitos autorais a execução de obras literárias, artísticas ou científicas no interior das unidades habitacionais dos meios de hospedagem e de cabines de meios de transporte de passageiros marítimo e fluvial. (Incluído pela Medida Provisória nº 907, de 2019)

Em outras palavras, a MP extingue o recolhimento de direitos autorais em quartos de hotel e embarcações marítimas, o que afetará o campo de fiscalização da gestão coletiva do ECAD e das associações que o integram. Contudo, por análise interpretativa da reforma, o recolhimento dos direitos autorais de áreas comuns de hotéis e embarcações marítimas não é alterado, permanecendo-se a obrigação de pagamento quando ali houver execução pública musical.

Segundo o governo, referida isenção de pagamento busca evitar a dupla taxação realizada pelo ECAD, na medida em que cobra e recolhe as respectivas taxas das áreas privadas e das áreas comuns.

Por fim, o assunto é polêmico por envolver discussões acerca da dupla taxação e da natureza jurídica adotada para impedir o aludido recolhimento. Isto porque, a medida provisória é um instrumento com força de lei que deve ser adotado unicamente em casos de relevância e urgência de forma unipessoal pelo Presidente da República, nos termos do artigo 62 da Constituição Federal. Embora produza efeitos imediatos, sua transformação em lei depende de aprovação do Congresso Nacional.

____________

[1] Medida Provisória, de 26 de novembro de 2019. Altera a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, para dispor sobre direitos autorais, e a Lei nº 11.371, de 28 de novembro de 2006, e a Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010, para dispor sobre alíquotas do imposto sobre a renda incidentes sobre operações, autoriza o Poder Executivo federal a instituir a Embratur – Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo e extingue a Embratur – Instituto Brasileiro de Turismo. Brasília, DF, 2019. Publicado no D.O.U. de 27 de novembro de 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Mpv/mpv907.htm> Acesso em: 02 dez. 2019.

[2] Lei nº 9.610, de 14 de maio de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Brasília, DF, 1998. Publicado no D.O.U. de 20 de fevereiro de 1998. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm> Acesso em: 02 dez. 2019.

[3] ABRÃO, Eliane Y., Direitos de Autor e Direitos Conexos, 2ª Edição, Ed. Migalhas, 2014, p. 196.

[4] Estatuto do ECAD. Disponível em: <https://www3.ecad.org.br/o-ecad/Documents/estatuto%20(2).pdf> Acesso em: 04 dez. 2019.

Fonte da imagem da partitura e piano: Image by <a href=”https://pixabay.com/users/stevepb-282134/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=1655558“>Steve Buissinne