Circular de Oferta de Franquia e Propriedade Intelectual

Conforme já exposto neste blog [1], o sistema de franquia empresarial é regido pela Lei nº 13.966/2019 (“Lei de Franquias”), que elenca suas principais características e prevê expressamente a obrigatoriedade de o franqueador entregar ao franqueado a circular de oferta de franquia (“COF”), com, no mínimo, 10 dias antes da assinatura do contrato/pré-contrato ou do pagamento de qualquer tipo de taxa.

A COF é o documento escrito em língua portuguesa, com redação precisa e transparente (princípio do dever de disclosure), que deve obrigatoriamente abarcar os conteúdos elencados ao longo dos 23 incisos do artigo 2º da Lei de Franquias, sob pena de arguição judicial de anulabilidade ou nulidade do contrato de franquia na hipótese de a COF conter omissão ou informações falsas consoante artigo 4º c/c artigo 2º, §2º [2].

Doutrinariamente, o jurista Ricardo Negrão agrupa os incisos da lei e os divide sob três óticas [3]:

  • Perfil subjetivo (incisos I, II, III, IV, VI, VII e X) relativo às pessoas, franqueador e franqueado, que integrarão o contrato e ao dever de informação acerca do negócio franqueado;
  • Perfil objetivo (incisos V, VIII, XIII, XIV, XVI e XIX) relativo ao objeto do contrato, contemplando a descrição da franquia em si, os correlatos ativos de propriedade intelectual e a cópia do modelo do contrato a ser potencialmente celebrado; e
  • Perfil funcional (incisos IX, XI, XVIII, XX, XXI, XXII e XXIII) relativo às responsabilidades das partes, ao valores, à concorrência, às penalidades, à limitação territorial, à exclusividade e ao término da franquia.

Dentre os itens obrigatórios, destacam-se, para fins da presente análise, os incisos IV e XIV, que tratam respectivamente da indicação das ações judiciais que questionam o modelo de franquia ou possam comprometer sua operação e dos direitos de propriedade intelectual relacionados à franquia, contemplando suas características, o número e status do pedido ou registro.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou a apelação nº 1032315-87.2020.8.26.0576, determinando a anulação do contrato de franquia em virtude de a franqueada omitir na COF a existência de ações judiciais acerca do know-how objeto da franquia. Consoante decisão, a existência “(…) não houve observância ao dever de disclosure, tendo sido negligenciadas informações relativas a elemento essencial de contrato: a licitude do know-how objeto de transferência a franqueados, pois, na hipótese, alvo de antiga disputa judicial entre a franqueadora e terceira”. Portanto, referida omissão está intrinsicamente relacionada ao elemento essencial do contrato de franquia.

Outrossim, o TJSP julgou a apelação nº 1024369-30.2021.8.26.0576 pela anulação do contrato de franquia em decorrência da ofensa, pela franqueadora, ao dever de fornecer informações transparentes na COF. No caso, a franqueadora “não informou à franqueada o indeferimento de dois pedidos de registro de marca objeto de transferência via contrato de franquia”, cujo indeferimento era conhecido pela franqueadora ao tempo da entrega da COF e afetou elemento essencial do contrato, configurando afronta ao dever de transparência.

Dessa forma, têm-se clara a obrigatoriedade da COF, cuja inobservância aos preceitos legais afetará diretamente o pleno exercício da franquia contratada.

 

________________

[1] Disponível: http://iplab.com.br/a-nova-lei-de-franquias.html

[2] Art.  2º Para a implantação da franquia, o franqueador deverá fornecer ao interessado Circular de Oferta de Franquia, escrita em língua portuguesa, de forma objetiva e acessível, contendo obrigatoriamente:

I – histórico resumido do negócio franqueado;

II – qualificação completa do franqueador e das empresas a que esteja ligado, identificando-as com os respectivos números de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);

III – balanços e demonstrações financeiras da empresa franqueadora, relativos aos 2 (dois) últimos exercícios;

IV – indicação das ações judiciais relativas à franquia que questionem o sistema ou que possam comprometer a operação da franquia no País, nas quais sejam parte o franqueador, as empresas controladoras, o subfranqueador e os titulares de marcas e demais direitos de propriedade intelectual;

V – descrição detalhada da franquia e descrição geral do negócio e das atividades que serão desempenhadas pelo franqueado;

VI – perfil do franqueado ideal no que se refere a experiência anterior, escolaridade e outras características que deve ter, obrigatória ou preferencialmente;

VII – requisitos quanto ao envolvimento direto do franqueado na operação e na administração do negócio;

VIII – especificações quanto ao:

a) total estimado do investimento inicial necessário à aquisição, à implantação e à entrada em operação da franquia;

b) valor da taxa inicial de filiação ou taxa de franquia;

c) valor estimado das instalações, dos equipamentos e do estoque inicial e suas condições de pagamento;

IX – informações claras quanto a taxas periódicas e outros valores a serem pagos pelo franqueado ao franqueador ou a terceiros por este indicados, detalhando as respectivas bases de cálculo e o que elas remuneram ou o fim a que se destinam, indicando, especificamente, o seguinte:

  1. a) remuneração periódica pelo uso do sistema, da marca, de outros objetos de propriedade intelectual do franqueador ou sobre os quais este detém direitos ou, ainda, pelos serviços prestados pelo franqueador ao franqueado;
  2. b) aluguel de equipamentos ou ponto comercial;
  3. c) taxa de publicidade ou semelhante;
  4. d) seguro mínimo;

X – relação completa de todos os franqueados, subfranqueados ou subfranqueadores da rede e, também, dos que se desligaram nos últimos 24 (vinte quatro) meses, com os respectivos nomes, endereços e telefones;

XI – informações relativas à política de atuação territorial, devendo ser especificado:

  1. a) se é garantida ao franqueado a exclusividade ou a preferência sobre determinado território de atuação e, neste caso, sob que condições;
  2. b) se há possibilidade de o franqueado realizar vendas ou prestar serviços fora de seu território ou realizar exportações;
  3. c) se há e quais são as regras de concorrência territorial entre unidades próprias e franqueadas;

XII – informações claras e detalhadas quanto à obrigação do franqueado de adquirir quaisquer bens, serviços ou insumos necessários à implantação, operação ou administração de sua franquia apenas de fornecedores indicados e aprovados pelo franqueador, incluindo relação completa desses fornecedores;

XIII – indicação do que é oferecido ao franqueado pelo franqueador e em quais condições, no que se refere a:

a) suporte;

b) supervisão de rede;

c) serviços;

d) incorporação de inovações tecnológicas às franquias;

e) treinamento do franqueado e de seus funcionários, especificando duração, conteúdo e custos;

f) manuais de franquia;

g) auxílio na análise e na escolha do ponto onde será instalada a franquia; e

h) leiaute e padrões arquitetônicos das instalações do franqueado, incluindo arranjo físico de equipamentos e instrumentos, memorial descritivo, composição e croqui;

XIV – informações sobre a situação da marca franqueada e outros direitos de propriedade intelectual relacionados à franquia, cujo uso será autorizado em contrato pelo franqueador, incluindo a caracterização completa, com o número do registro ou do pedido protocolizado, com a classe e subclasse, nos órgãos competentes, e, no caso de cultivares, informações sobre a situação perante o Serviço Nacional de Proteção de Cultivares (SNPC);

XV – situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a:

a) know-how da tecnologia de produto, de processo ou de gestão, informações confidenciais e segredos de indústria, comércio, finanças e negócios a que venha a ter acesso em função da franquia;

b) implantação de atividade concorrente à da franquia;

XVI – modelo do contrato-padrão e, se for o caso, também do pré-contrato-padrão de franquia adotado pelo franqueador, com texto completo, inclusive dos respectivos anexos, condições e prazos de validade;

XVII – indicação da existência ou não de regras de transferência ou sucessão e, caso positivo, quais são elas;

XVIII – indicação das situações em que são aplicadas penalidades, multas ou indenizações e dos respectivos valores, estabelecidos no contrato de franquia;

XIX – informações sobre a existência de cotas mínimas de compra pelo franqueado junto ao franqueador, ou a terceiros por este designados, e sobre a possibilidade e as condições para a recusa dos produtos ou serviços exigidos pelo franqueador;

XX – indicação de existência de conselho ou associação de franqueados, com as atribuições, os poderes e os mecanismos de representação perante o franqueador, e detalhamento das competências para gestão e fiscalização da aplicação dos recursos de fundos existentes;

XXI – indicação das regras de limitação à concorrência entre o franqueador e os franqueados, e entre os franqueados, durante a vigência do contrato de franquia, e detalhamento da abrangência territorial, do prazo de vigência da restrição e das penalidades em caso de descumprimento;

XXII – especificação precisa do prazo contratual e das condições de renovação, se houver;

XXIII – local, dia e hora para recebimento da documentação proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, quando se tratar de órgão ou entidade pública.

§1º A Circular de Oferta de Franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado, no mínimo, 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou, ainda, do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou a pessoa ligada a este, salvo no caso de licitação ou pré-qualificação promovida por órgão ou entidade pública, caso em que a Circular de Oferta de Franquia será divulgada logo no início do processo de seleção.

§2º Na hipótese de não cumprimento do disposto no § 1º, o franqueado poderá arguir anulabilidade ou nulidade, conforme o caso, e exigir a devolução de todas e quaisquer quantias já pagas ao franqueador, ou a terceiros por este indicados, a título de filiação ou de royalties, corrigidas monetariamente.”

 

Art. 4º Aplica-se ao franqueador que omitir informações exigidas por lei ou veicular informações falsas na Circular de Oferta de Franquia a sanção prevista no § 2º do art. 2º desta Lei, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

 

[3] NOGUEIRA, Ricardo José Negrão. Curso de Direito Comercial e de Empresa. Vol. 2, 12. ed., São Paulo: SaraivaJur, 2023, p. 301.