A inter-relação entre Fashion Law, Direitos da Personalidade e Operações de M&A

Considerando o impacto da moda na economia, verifica-se globalmente uma crescente tendência de reorganizações societárias de indústrias têxteis para conjugar sinergias, aumentar a eficiência produtiva e obter lucro formando os grandes grupos ou conglomerados de moda.

Como ato prévio à formação de uma grande sociedade, surgem na prática as chamadas due diligence e operações de M&A que culminam na celebração de contratos de compra e venda de participação societária (também conhecido por QPA-Quota Purchase Agreement ou SPA-Share Purchase Agreement) e de diversos outros contratos (como exemplos, transferência de titularidade de marcas, alienação fiduciária, penhor).

Due diligence ou auditoria jurídica é um ato facultativo e prévio à formalização do contrato de compra e venda de participação societária, por meio do qual são analisados o histórico da sociedade, suas contingências e eventuais riscos que poderão impactar negativamente eventual e futura aquisição societária. Na prática, a aquisição societária é conhecida pela expressão “M&A” que advém do sistema anglo-saxão e significa mergers and acquisitions, cuja conceituação comumente abrange todo tipo de reestruturação societária, tal como compra e venda de ativos, fusões, cisões, incorporações, compra e venda de participação societária, dentre outros.

Uma vez finalizada a fase de auditoria jurídica, as partes poderão ou não celebrar um contrato de aquisição societária e tantos outros que se fizerem necessários a depender da natureza e das peculiaridades da transação de M&A. Assim, convencionado que ações ou quotas serão alienadas, ingressa-se na fase de instrumentalização do contrato de aquisição de participação societária.

Quando de sua redação, a atenção na maioria das vezes se centra na relevância da cláusula de declarações e garantias prestadas pelo vendedor. Trata-se de uma cláusula incorporada do sistema anglo-saxão conhecida como representations and warranties e sua inclusão ao contrato de compra e venda de participação societária não é obrigatória pelo ordenamento jurídico brasileiro, tratando-se de convenção das partes inspirada no sistema estrangeiro.

Referida cláusula consiste em uma descrição detalhada acerca da situação da sociedade sob os prismas jurídico, operacional, fiscal e econômico, e assume as funções informativa, protetiva e integrativa, devendo ser redigida com cautela e moldada conforme a atuação empresarial, ou seja, deve ser escrita conforme o caso concreto não bastando sua padronização.

Em outras palavras, as declarações e garantias geralmente não são elencadas de forma exaustiva e servem de parâmetro para a (i) divulgação de informações pelo vendedor sobre a sociedade, (ii) fixação do preço da alienação das ações ou quotas, (iii) análise da necessidade de formalização de outros negócios jurídicos, tais como contratos de cessão de marcas e autorizações de uso de imagem, voz e nome, (iv) tomada de decisões estratégicas e alocação de riscos e responsabilidades, (v) fixação do valor de eventual indenização em caso de falsidade declarada pelo vendedor, dentre outros.

Nesse ponto surge a inter-relação entre fashion law, direitos da personalidade e operações de M&A.

Ao analisar o mercado da moda, é comum que as sociedades utilizem modelos, influenciadores e celebridades para difundir seus produtos por meio de anúncios publicitários e formalização de collabs de modo a refletir positivamente no aumento de receitas e na valorização da empresa.  Referido uso se pauta nos direitos da personalidade de tais figuras, ou seja, a empresa se vale do nome, da imagem e da voz de artistas em geral para alavancar vendas e atingir o público gerando retorno financeiro através da celebração de autorizações de uso e contratos.

Os direitos da personalidade consistem em direitos inerentes à pessoa, que embora dotados das características da intransmissibilidade, da irrenunciabilidade, da impenhorabilidade e da vitaliciedade, possuem uma vertente patrimonial através da qual seu titular pode obter uma vantagem pecuniária pela sua exploração, notadamente quando se refere ao nome, à imagem e à voz, que se dará mediante a celebração de um consentimento de uso prévio e expresso.

Não obstante a necessidade de prévia e expressa autorização do titular do direito da personalidade, é comum no dia a dia jurídico que as empresas (i) não detenham qualquer autorização, (ii) detenham algum instrumento assinado em desacordo com as normas vigentes, ou (iii) ainda que o detenham válido e vigente, descumpram seu teor e usem o direito da personalidade autorizado para fim diverso do previsto contratualmente.

É importante destacar que qualquer descumprimento aos direitos da personalidade poderá impactar negativamente a operação dos negócios empresariais e qualquer eventual operação societária, razão pela qual se justifica a previsão dos direitos da personalidade na cláusula de declarações e garantias de contratos de compra e venda de participação societária.

Assim, é importante especificar em contrato quais direitos da personalidade são utilizados pela sociedade objeto da transação, se há ou não descumprimento contratual, analisar eventual contingência, verificar eventual probabilidade de ação judicial contra a sociedade, e prever que o vendedor detém todas as autorizações necessárias para sua utilização e condução dos negócios empresariais, sob pena de indenização, resguardando o comprador de suposta falsidade. Caso não existam tais autorizações, pode-se prever a respectiva obtenção como condição precedente ao fechamento da operação.

Fica, assim, consignada a inter-relação entre os direitos da moda, da personalidade e societário para expor a importância da inclusão dos direitos da personalidade na cláusula de declarações e garantias do vendedor em contratos de aquisição societária, sendo que qualquer inobservância à autorização concedida, ou sua falta, refletirá no valor da empresa e afetará o contrato de aquisição de participação societária.

Diante do exposto, o contrato deverá especificar quais direitos são utilizados e prever que o vendedor possui as autorizações necessárias para seu uso, sob pena de indenização, resguardando o comprador de suposta falsidade.

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Fonte da imagem do contrato sendo assinado: Pixabay