Due diligence jurídica de ativos de propriedade intelectual em operações de M&A

Segundo dados recentes, houve um aumento expressivo das operações de fusões e aquisições em 2019, que chegou a ser o maior número desde o ano de 1999 [1], e estima-se que o mercado continuará aquecido em 2020.

Diante disso, de modo a concretizar as operações de M&A, é importante examinar detalhadamente a situação da empresa-alvo por meio de uma due diligence jurídica antes do respectivo fechamento da operação.

A propósito, no artigo “A inter-relação entre Fashion Law, Direitos da Personalidade e Operações de M&A” [2], publicado no IPlab em 08.12.2019, foi explicado o conceito de due diligence no cenário de M&A e sua relação com a cláusula de declarações e garantias constante nos contratos de compra e venda de participação societária.

Nesse sentido, a fim de continuarmos a referida análise, o objeto deste artigo é elencar as fases de uma auditoria jurídica e os principais pontos que devem ser analisados quanto aos ativos de propriedade intelectual de uma empresa antes de formalizar qualquer contrato ou operação societária.

Assim, surgem algumas perguntas que responderemos ao longo deste artigo, a saber:

  • O que é propriedade intelectual?
  • Quais ativos de propriedade intelectual serão auditados?
  • Qual é o procedimento de uma auditoria?
  • Qual é o objetivo de referida due diligence?
  • Quais são os principais pontos a serem examinados durante a auditoria?

Inicialmente, cabe esclarecer que propriedade intelectual [3] é um campo internacionalizado que compreende diversos direitos, dentre os quais destacamos os seguintes, que costumam ser os mais importantes para fins de auditoria:

  • Propriedade industrial (notadamente marcas e patentes [4])
  • Direitos autorais e direitos conexos
  • Programas de computador [5]
  • Nomes de domínio

O trabalho de auditoria é minucioso e pode ser conduzido previamente para finalidades distintas como, por exemplo, verificação dos status dos ativos de propriedade intelectual como forma de controle interno, formalização de fusões e aquisições, obtenção de investimentos, abertura de capital na bolsa de valores, celebração de contratos de licença ou cessão. Na prática, o procedimento pode ser conduzido pelo próprio titular dos bens intangíveis ou por terceiros especializados na área.

Nos casos de auditoria para fins de M&A ou obtenção de investimentos externos, a prática recomenda que seja precedida de um memorando de entendimentos, carta de intenções ou engagement letter, que determinarão os termos e as condições mais importantes para as partes e que regerão eventual futuro contrato. De igual modo, a prática também dita que os representantes de uma parte devem disponibilizar uma lista contendo perguntas, dúvidas e solicitações de documentos à empresa auditada para que, assim, possam iniciar a auditoria com base nas informações disponibilizadas [6]. Atualmente, tais documentos costumam ser disponibilizados em data rooms virtuais com acesso limitado às pessoas que estão de fato autorizadas para participar da auditoria. Importa destacar que os profissionais que participem da auditoria devem conduzi-la com zelo e de forma confidencial.

Superada tal fase, perpassa-se para o procedimento de due diligence propriamente dito. Nesse ponto, é importante estudar a empresa-alvo, entender seu negócio e identificar a força que os direitos de propriedade intelectual desempenham no seu business para poder distinguir o que é e o que não é risco. Conhecer o negócio permite que a auditoria seja conduzida com mais atenção e que sejam antevistos eventuais passivos.

Assim, exemplifico abaixo de forma resumida os pontos que costumam merecer mais atenção quando da análise de direitos de propriedade intelectual, lembrando que cada auditoria é única e pontos diferirão caso a caso:

(i) Marcas:

  • Levantamento acerca do portfólio de marcas em sentido amplo da sociedade, que inclui pedidos de registro de marca e concessões de registro de marca
  • Verificar se as marcas utilizadas pela sociedade auditada estão validamente registradas, incluindo exame acerca da titularidade, do prazo de vigência e do pagamento das taxas cabíveis
  • Examinar se os pedidos de registro de marca são objeto de oposições, e se as marcas registradas são objeto de procedimentos de caducidade e/ou nulidade
  • Avaliar os riscos caso algum signo importante para a sociedade-alvo não seja objeto de pedido de registro de marca nem de registro concedido
  • Apurar se as marcas de titularidade da empresa-alvo são objeto de contratos de licença
  • Caso a sociedade auditada utilize marcas de terceiros, analisar o respectivo contrato de licença ou, na sua ausência, verificar as condições comerciais vigentes

(ii) Patentes

  • Recomendável a participação de profissional com a devida expertise, visto que a patente envolve conteúdos técnicos
  • Análise do status de cada patente depositada ou concedida, incluindo exame acerca da titularidade, do criador, do prazo de vigência e do pagamento das taxas cabíveis
  • Verificar se o criador da patente cedeu os respectivos direitos à empresa-alvo
  • Examinar se a situação jurídica da patente permite sua cessão para terceiros

(iii) Direitos autorais e direitos conexos

  • A auditoria de direitos autorais e conexos costuma ocorrer quando a sociedade exerce atividades vinculadas à criação literária, artística e/ou científica: editoras de livros, escolas, faculdades, agências de publicidade, editoras de músicas, produções cinematográficas
  • Verificar se as obras utilizadas pela sociedade-alvo estão de fato autorizadas pelos seus titulares e se não há nenhuma ofensa a direito autoral de terceiro
  • Confirmar se é dado o respectivo crédito ao autor da obra utilizada
  • Examinar se a sociedade tem costume de celebrar contratos de cessão de direitos autorais com seus funcionários e/ou terceiros e analisá-los detalhadamente
  • Verificar se eventuais direitos autorais estão em domínio público

(iv) Programas de computador

  • A depender do objeto da sociedade, os programas de computador podem ser seus ativos mais importantes já que otimizam tempo e armazenam inúmeras informações da empresa
  • Confirmar se os programas de computador utilizados são de titularidade da empresa-alvo e, em caso afirmativo, verificar se ela possui os respectivos códigos-fonte
  • Caso os programas de computador sejam de titularidade de terceiro, é importante confirmar se são objeto de licenças de uso em vigor e, consequentemente, analisar os respectivos contratos de licenciamento

(v) Nomes de domínio

  • Examinar se os nomes de domínio utilizados pela sociedade são de sua titularidade
  • Verificar se o nome de domínio não viola direitos de terceiros (por exemplo, marcas de terceiros)

Todos os pontos acima elencados são premissas básicas presentes na auditoria de quaisquer destes direitos, que se adaptarão caso a caso, e poderão ser somados a diversos outros critérios a depender do que foi definido com o cliente e de eventuais riscos encontrados à medida que a auditoria toma forma.

Após a realização da auditoria, elabora-se um relatório ao cliente que o encomendou, cujo formato variará segundo os interesses do próprio cliente.

Em suma, na prática, a due diligence de um M&A costuma ser dividida nas seguintes fases:

  • Formalização de uma carta de intenções
  • Envio de um Q&A ou check list pelos representantes do pretenso comprador aos representantes da empresa auditada
  • Disponibilização de documentos e informações pela sociedade auditada
  • Análise dos dados disponibilizados e/ou, a depender da negociação, das informações obtidas por meio de pesquisas independentes
  • Elaboração e entrega do relatório sobre o procedimento da auditoria
  • Continuação, conforme o caso, das negociações a fim de que a operação seja concretizada

Diante do exposto, nota-se que a auditoria jurídica de ativos de propriedade intelectual consiste no levantamento detalhado do portfólio do patrimônio intangível de uma empresa. Assim, seu objetivo consiste em avaliar pormenorizadamente se seu patrimônio intelectual está protegido, examinar se terceiros violam seus ativos intangíveis ou se a própria sociedade viola direitos de terceiros, verificar eventuais riscos que afetem negativamente a saúde da empresa e implementar, se necessário, as respectivas medidas de proteção.

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[1] https://kpmgbrasil.com.br/news/5706/recorde-de-fusoes-e-aquisicoes-em-2019

[2] http://iplab.com.br/a-interrelacao-entre-fashion-law-direitos-da-personalidade-e-operacoes-de-ma.html

[3] No Brasil, não existe uma única lei de propriedade intelectual, mas diplomas legais esparsos que formam o Direito da Propriedade Intelectual.

[4] A propriedade industrial está regulada na Lei nº 9.279/1996 e inclui marcas, patentes, desenhos industriais, indicações geográficas, segredos de negócio, transferência de tecnologia e repressão à concorrência desleal. Porém, para fins deste artigo, a análise se centra em marcas e patentes, que frequentemente são os direitos mais analisados em processos de auditoria.

[5] Os programas de computador estão protegidos por meio da Lei nº 9.609/98 e são equiparados, para fins de proteção, às obras literárias previstas na legislação autoral (Lei nº 9.610/98). Não obstante, costumam ser tratados de maneira independente em procedimentos de due diligence dada sua relação com aspectos não jurídicos, quais sejam, aspectos tecnológicos.

[6] Em algumas auditorias, pode ser combinado previamente que a análise também seja conduzida de forma independente. Neste caso, se conjugará a análise dos documentos e informações disponibilizados àqueles que foram obtidos por meio de pesquisas independentes junto às bases de dados do INPI, dos Tribunais de Justiça, das Juntas Comerciais, do Whois do registro.br etc.

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Fonte da imagem “Audit”: Image by <a href=”https://pixabay.com/users/Tumisu-148124/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=4189560″>Tumisu</a> from <a href=”https://pixabay.com/?utm_source=link-attribution&amp;utm_medium=referral&amp;utm_campaign=image&amp;utm_content=4189560″>Pixabay</a>